por Valéria Regina Fonseca Gonçalves

Meu nome é Valéria, sou mãe da Sofie, de 4 anos. A Sofie ingressou na escola apenas aos 3 anos, e me sinto muito privilegiada por ter conseguido me dedicar a ela integralmente durante um período tão longo. Como todos os pais, fiz uma peregrinação por diversas escolas antes de escolher aquela que considerava a mais adequada para ela, pesando questões como valores, proposta pedagógica, localização etc. Acabamos optando por uma que, num primeiro momento, me pareceu ideal. Naquela época, nem passava pela minha cabeça matriculá-la em uma EMEI – Escola Municipal de Educação Infantil.

Com o decorrer do tempo, conhecendo melhor a escola, comecei a me deparar com alguns posicionamentos com os quais eu não concordava. A maioria das minhas inquietações estava ligada a questões de gênero, com uma segregação e uma diferenciação muito grande entre meninos e meninas.

Dou como exemplo o que para mim foi a gota d’água: na festa de fim de ano, depois de já ter me deparado com uma questão semelhante na festa junina, soube pela Sofie que os meninos iriam tocar tambor, e as meninas, prato. E ela estava chateada porque queria tocar tambor. Como já tinha feito inúmeras outras vezes, fui novamente à escola questionar essa postura. Por que não perguntar quem quer tocar tambor e quem quer tocar prato, ao invés de dividir por meninos e meninas? Foi então que a coordenadora me disse, com todas as letras, que a escola era uma empresa e que o público-alvo estava satisfeito. Querendo dizer: “Se você não está satisfeita, você que está no lugar errado”. E o pior é que ela tinha razão. Apesar disso, eles acataram a minha sugestão e deixaram que as crianças decidissem qual instrumento gostariam de tocar.

Mas a minha decisão já estava tomada: mudaria a Sofie de escola. O que não foi nada fácil, obviamente. Foi difícil me dar conta de que escolhi, escolhi, e acabei fazendo a escolha errada. Chorei, me descabelei… E ainda teria que encarar o pai dela, de quem eu estava me separando e para quem essas questões não eram tão relevantes, e a própria Sofie: como dizer a ela que não iria mais conviver diariamente com os amiguinhos e as prôs de quem tanto gostava?

Encarei o desafio de frente. Em uma conversa com a advogada que estava cuidando do nosso divórcio, ela me disse: “As contas de vocês não fecham. Vocês não têm condição de pagar essa escola para a Sofie”. Sabe quando dizem que Deus escreve certo por linhas tortas? Foi bem isso que aconteceu. Com o argumento financeiro, somado às minhas insatisfações, conversei com o pai dela. A Sofie, claro, ficou triste, mas também entendeu. E, assim, fiz a inscrição dela na rede pública, na escola onde eu também havia estudado quando criança.

Na nossa primeira visita à escola, veio a primeira surpresa: como assim não precisa marcar hora? Claro, a escola pública é um local público e qualquer cidadão tem o direito de  conhecê-la. Tive a certeza de que estava no caminho certo quando relatei toda a minha experiência anterior ao diretor e ele me disse: “Não existe como você mensurar brincadeira. Como você vai falar para um pai, que está pagando uma escola, que o seu filho ‘só’ brincou hoje?”.

A vaga da Sofie saiu em abril. E o que eu posso dizer é que nós duas estamos muitíssimo felizes. A adaptação não foi fácil, não por conta da escola, mas porque o processo de adaptação é sempre doloroso. Mas, agora que ela está superadaptada, eu percebo como ela está de fato vivendo a infância em sua plenitude. Percebo como a minha filha está aprendendo de forma lúdica. Ao invés de antecipar a alfabetização, ela está ocupada em brincar, correr no mato, se sujar na terra, catar folha, em um lugar gostoso, cheio de verde. Ela chega em casa imunda, e eu acho ótimo. Hoje ela fala: “Eu quero ir pra escola!”. Quando não tem aula, ela fica triste. Outro dia mesmo ela disse que na outra escola era mais atividade e que na escola nova é mais brincadeira. O que mais eu posso querer para a minha pequena? Sinto que ela é livre para explorar, experimentar… para ser criança.

As minhas questões, hoje, com a escola, são muito mais questões que não dependem dos profissionais da educação em si, e sim do nosso governo. Por exemplo, nós estamos em agosto e até hoje ela não tem uniforme, porque não chegou. E também o número de crianças na turma: são trinta para uma única professora! A falta de verba também é um ponto bem crítico, e eu não posso ignorá-lo, mas o que eu percebo é que, quando a comunidade se empenha, as coisas acontecem. Nós fizemos uma festa junina linda com a ajuda da comunidade. Todo mundo se dedicou e, com o retorno da festa, ainda conseguimos reformar todo o tanque de areia da escola. Isso me dá uma satisfação tremenda.

Quanto à parte pedagógica, eu estou supersatisfeita. Essa questão de gênero que tanto me incomodava, por exemplo, não existe na escola pública. No projeto político pedagógico está documentado que não pode haver isso na escola, e que as crianças precisam saber das diferenças, tanto físicas – de cor, de deficiência –, como de religião, por exemplo. Tudo isso é passado para as crianças. Na primeira reunião da qual eu participei, eu fiquei que não cabia em mim de felicidade. Ficava pensando: “É isso que eu quero pra minha filha! É isso que eu quero que ela aprenda!”.

Sei que existem escolas particulares incríveis por aí, não quero de forma alguma generalizar a partir da minha experiência. Mas hoje posso dizer sem titubear: estou muito feliz de oferecer à minha filha uma infância na escola pública. Tenho certeza de que ela está curtindo demais e guardará ótimas memórias dessa fase tão importante da vida.